Não há lugar ao pagamento de mais-valias na venda do quinhão hereditário
A fiscalidade associada à herança e à subsequente transmissão do património herdado é, por vezes, complexa e sujeita a interpretações erróneas, tanto por parte da Autoridade Tributária como dos próprios contribuintes. Uma das questões que mais tem gerado dúvidas diz respeito à eventual sujeição a imposto sobre mais-valias na venda de quinhões hereditários. Recentemente, o Tribunal Constitucional veio colocar um ponto final nesta matéria, com a publicação do Acórdão n.º 348/2025, cuja decisão tem impacto direto em muitos contribuintes que, nos últimos anos, pagaram IRS de forma indevida.
Mas afinal, o que são mais-valias, o que é um quinhão hereditário e por que motivo não deve existir lugar a tributação? E, mais importante, é possível pedir a devolução do imposto já pago? Explicamos-lhe tudo neste artigo, com clareza e rigor, para que possa tomar decisões informadas e proteger o seu património.
- O que são as mais-valias em sede de IRS?
Nos termos do artigo 10.º do Código do IRS, considera-se mais-valia o ganho obtido com a alienação onerosa de determinados bens, designadamente imóveis. Trata-se da diferença positiva entre o valor da venda e o valor de aquisição do bem, com as devidas correções legais.
Este ganho é tributado a uma taxa que depende da residência fiscal do sujeito passivo: para residentes, apenas 50% do ganho é considerado para efeitos de tributação e integrado na taxa progressiva do IRS; para não residentes, aplica-se uma taxa especial de 28% (ou 25%, nos casos posteriores à reforma de 2023).
Porém, nem todas as alienações são suscetíveis de gerar mais-valias tributáveis. É aqui que entra a especificidade dos quinhões hereditários.
- O que é o quinhão hereditário?
O quinhão hereditário corresponde à parte ideal da herança que cabe a cada herdeiro, antes da partilha. Trata-se de uma posição jurídica que confere ao herdeiro direitos sobre a totalidade dos bens da herança, mas sem individualização de bens concretos. Só após a partilha é que cada herdeiro se torna titular de bens específicos.
Ora, enquanto o património hereditário se mantiver indiviso, o que um herdeiro pode vender é a sua quota-parte global na herança – ou seja, o seu quinhão hereditário. Essa transmissão não corresponde à alienação de um bem concreto, mas sim de uma universalidade de direitos.
- A decisão do Tribunal Constitucional n.º 348/2025
O Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente sobre esta matéria no Acórdão n.º 348/2025, vindo confirmar a inconstitucionalidade da interpretação da Autoridade Tributária que qualificava a venda de quinhões hereditários como uma alienação de direitos reais sobre bens imóveis, sujeita a IRS por mais-valias.
Segundo o Tribunal, tal interpretação viola os princípios da legalidade e da certeza jurídica, consagrados na Constituição da República Portuguesa. A venda de um quinhão hereditário não é, por natureza, uma transmissão de imóvel ou de direito equivalente, mas sim de uma expectativa de direito sobre uma universalidade indivisa.
A decisão confirma e consolida uma tendência jurisprudencial que já vinha sendo adotada por diversos tribunais superiores e reforça o entendimento doutrinal dominante.
- Quando há apenas um herdeiro: aplica-se a mesma regra?
Sim, aplica-se. Mesmo que exista apenas um herdeiro, enquanto não for realizada a partilha ou registada a aquisição do bem em nome próprio, o herdeiro único mantém-se como titular de uma posição hereditária. Nesses casos, se o herdeiro decidir vender o bem que faz parte da herança antes de o registar em seu nome, a transmissão não é considerada uma venda de um imóvel adquirido, mas sim a cessão do seu direito hereditário sobre esse bem.
Assim, também nestas situações, não deverá haver lugar à tributação em sede de IRS por mais-valias. O elemento essencial continua a ser o momento da transmissão: se esta ocorre antes da individualização e registo do bem, o que está em causa é a transmissão de uma expectativa de direito, e não de um direito real propriamente dito.
- O impacto para os contribuintes: imposto pago indevidamente
Com esta decisão do Tribunal Constitucional, abre-se caminho para que milhares de contribuintes possam reaver os montantes pagos a título de IRS por mais-valias, nos casos em que a alienação incidiu apenas sobre a sua posição hereditária.
Muitos herdeiros, por desconhecimento ou por indicação da própria Autoridade Tributária, declararam como mais-valia a venda do seu quinhão hereditário, o que originou liquidações de imposto. Agora, reconhece-se que tal imposto foi indevidamente cobrado.
Importa sublinhar que não está em causa a venda de um bem determinado (por exemplo, um imóvel já adjudicado ao herdeiro em sede de partilha), mas sim da quota-parte indivisa antes da partilha – ou, no caso de herdeiro único, antes da formalização da transmissão para o seu nome.
- Direito à restituição do imposto
Nos termos da legislação tributária em vigor, nomeadamente da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, os contribuintes têm o direito de requerer a revisão de liquidações indevidas e a consequente restituição de importâncias pagas a mais, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
Este direito está, todavia, sujeito a prazos e condições próprias. Por regra, os pedidos de revisão devem ser apresentados no prazo de quatro anos contados da data do pagamento. A jurisprudência e a prática administrativa, no entanto, admitem exceções quando esteja em causa um erro imputável à administração.
- A importância do aconselhamento jurídico
Este é um exemplo claro da importância de procurar aconselhamento jurídico antes de tomar decisões com impacto patrimonial ou fiscal. Muitas situações poderiam ser evitadas se, antes de praticar atos como a venda de um quinhão hereditário ou de um bem herdado, os contribuintes consultassem um advogado.
O apoio jurídico permite identificar antecipadamente riscos, garantir o correto enquadramento legal e evitar pagamentos indevidos que, mais tarde, exigem esforço para serem corrigidos. O tempo e os custos associados a uma consulta preventiva são, regra geral, muito inferiores ao desgaste e à incerteza de processos posteriores.
- E se já pagou imposto por mais-valias na venda de um quinhão hereditário?
Se alienou a sua quota-parte numa herança indivisa – ou se, sendo herdeiro único, vendeu o bem herdado antes de proceder ao seu registo em nome próprio – e, por essa razão, pagou imposto sobre mais-valias, é muito provável que tenha direito à devolução desses montantes. É necessário analisar cuidadosamente a documentação e as circunstâncias da transmissão para confirmar essa possibilidade.
A decisão do Tribunal Constitucional veio dar segurança jurídica aos contribuintes, mas cada situação deve ser apreciada de forma individual. Nem todas as transmissões de herança estão isentas de tributação, e a correta qualificação jurídica do ato é determinante.
- Conclusão e contacto
A venda de quinhões hereditários, incluindo nos casos em que existe apenas um herdeiro, não está sujeita a tributação em sede de IRS por mais-valias. Esta é, agora, uma posição clara, reforçada pelo Tribunal Constitucional, que veio declarar inconstitucional a interpretação contrária. Muitos contribuintes pagaram imposto de forma indevida e têm, por isso, o direito a reaver esses valores.
Se tem dúvidas sobre a sua situação concreta ou pretende saber se poderá solicitar a devolução do imposto pago, convidamo-lo a agendar uma reunião connosco. Avaliamos o seu caso de forma individualizada, com o rigor técnico e a proximidade que esta matéria exige.
A justiça fiscal começa com informação sólida e decisões conscientes. E estamos aqui para o ajudar nesse caminho.